segunda-feira, 26 de novembro de 2018

PARALAXE



O DESCONHECIMENTO DO CONHECIMENTO

Quando olhamos para um cubo, de uma posição fixa, em que o espectador
recusa a viagem, vemos no mínimo uma face desse cubo e no máximo três.
Sem qualquer deformação do cubo e acreditando que é um sólido perfeito,
não é possível, sem que nos desloquemos, ver mais de três faces simultaneamente.
Mas, na verdade, o cubo observado de um ponto fixo não esconde apenas três faces,
mas tudo o que está para lá dele e que a sua silhueta cobre.
Todo o objecto observado arrasta e estende atrás de si uma cauda de desconhecimento,
de mistério, de sombra, de entravamento.
A visão de alguma coisa implica, por necessidade, uma obnubilação concominante e que
é sempre maior do que o próprio corpo observado.
Um objecto a certa distância de um observador oculta um território muito maior
do que ele próprio.
Esta parábola óptica pode ser aplicada ao dilema do conhecimento. 
Qualquer conhecimento gera desconhecimento infinito, com as condições mencionadas.
É claro que a própria capacidade física, os próprios limites do cérebro, confinam
o próprio conhecimento e é difícil aceitar que um órgão finito possa conter em si
todo o conhecimento possível.
Mas neste caso não se fala dessas limitações, mas sim daquelas que são criadas
pelo próprio acto de conhecer.
Antes de saber ler, um livro é apenas um monte de papéis com signos nas suas
folhas encadernadas.
Ao aprender a ler, passamos a ignorar outra coisa que nos escapava antes: o
conteúdo desses livros ( que, não sendo propriamente ilimitado é pelo menos de uma
dimensão inconcebível). Ao aprender a ler passamos a ignorar todo
o conteúdo de todos os livros existentes. O mistério é então parte integrante do próprio
tecido do mundo, mas é um campo em constante mutação.
Ao ser conhecido converte-se num desconhecido maior, criando uma regressão infinita,
um pouco como a linha do horizonte, mas uma linha que se afasta exponencialmente
a cada vez que tentamos encurtar a nossa distância em relação a ela.


Afonso cruz
In JL 

Photo de: Sérgio Godset Godinho



Um comentário:

Anônimo disse...

Não sendo a Filosofia o meu "forte", apreciei o modo como o cronista organizou o texto, com argumentos directos, simples e facilmente apreensíveis!

Aníbal