sábado, 19 de novembro de 2016

OS FANTASMAS






Costumava adormecer a escutar os fantasmas sob a cama. prestava atenção àquele silêncio nervoso que o escuro trazia.
Os fantasmas eram modos de sujar a límpida existência de algumas crianças. Precisava de adormecer para me salvar da noite. Era urgente não demorar a pensar, a lembrar, a rezar, a escutar. Creio que aprendi a dormir imediatamente, como numa defesa que garantiria a idade adulta.
Hoje por sinal, durmo no segundo em que decido dormir. Poucas vezes me falha.
Por diferença com a infância, estes fantasmas não me aguardam apenas à noite ou no escuro, estão no mais estreito dos gestos, tempo nenhum me curará o medo de errar e de estar culpado nos erros que me impedem de ser feliz, há um momento em julgo que somos responsáveis pela nossa tristeza.
É  como desistir devagar, tão devagar que não admitiríamos nunca estarmos a desistir.
Quero ser um homem de moral mas não um moralista, talvez a terrível morte fosse apenas uma oportunidade para a manifestação da última e mais insuportável beleza.
Ainda estou para descobrir.

Valter Hugo Mãe
em JL    

Um comentário:

Anônimo disse...

Mais uma excelente e muito intensa crónica deste elevado autor! A não perder...

Aníbal